Quando o Estado falha: o caso da invasão do terreno no km-36 expõe uma teia perigosa de poder
EDITORIAL DE OPINIÃO, DENÚNCIA PÚBLICA
A invasão do terreno situado no km-36, no Município do Cabiri, deixou de ser um simples litígio de propriedade. O que se desenrola diante dos olhos do país é um caso sério, alarmante e institucionalmente perturbador, envolvendo alegações que atingem autoridades municipais, forças militares, estruturas policiais e responsáveis do Governo Provincial do Icolo e Bengo.
As denúncias, apresentadas publicamente e dirigidas às instituições competentes, apontam para a possível actuação — directa ou indireta — de várias figuras públicas, entre elas:
Isabel Nicolau Kudiqueba, Administradora Municipal do Cabiri
Paulino Bernardo, Director Municipal de Fiscalização
Superintendente Azevedo Paim, ligado à empresa de segurança que mantém guardas no terreno
Tenente-Coronel Heitor Nunes, da Polícia Judiciária Militar, citado por alegadamente retirar seguranças legais e colocar outros de forma coerciva
General Zamba, referido em participações por suposta intervenção indevida
Dra. Maria Gaspar Pereira de Lemos, ex-Delegada Provincial da IGAE
Dr. Camixi Procurador de Icolo e Bengo
Inspectora Pitra, Comandante Municipal da Polícia no Cabiri
Também são mencionadas instituições como:
Administração Municipal do Cabiri
Governo Provincial do Icolo e Bengo
Delegação Provincial da IGAE
Procuradoria da República no Icolo e Bengo
Polícia Judiciária Militar
Polícia Nacional no município
Estas entidades, segundo as denúncias, ainda não responderam às cartas, participações, exposições e pedidos de esclarecimento, apesar da gravidade dos factos relatados.
O cerco aos jornalistas: quando informar se torna um risco
No dia 25 de Novembro, uma equipa composta por vários órgãos de comunicação social deslocou-se ao local para apurar a veracidade dos factos. O que encontraram foi inquietante:
cinco seguranças fardados da empresa ligada ao Superintendente Azevedo Paim
dois indivíduos não identificados, musculados, que ameaçaram claramente os jornalistas
impedimento de filmagem e registo
ordens verbais para que ninguém tentasse “repor a legalidade”
Mais grave ainda: segundo testemunhos, estes seguranças teriam sido colocados no terreno pelo Tenente-Coronel Heitor Nunes da Polícia Judiciária Militar, acompanhado dos seus subordinados.
A Administração Municipal fecha portas à imprensa
Após a tensão no terreno, a equipa deslocou-se à Administração Municipal do Cabiri.
Lá encontraram:
a Administradora Isabel Kudiqueba,
agentes armados do DIIP,
ambiente hostil, ameaças e recusa total de entrevista.
A Administradora afirmou não conhecer o proprietário, declaração contrariada por mensagens, documentos e contactos prévios comprovados.
A pergunta que ninguém responde: porquê tanto silêncio?
Este editorial levanta um questionamento fundamental para a democracia e para o Estado de Direito:
Por que razão tantas instituições públicas permanecem em silêncio absoluto perante uma denúncia tão grave?
Por que motivo:
o Governador Provincial
a Delegação da IGAE
a Procuradoria de Icolo e Bengo
a Administração Municipal
a Polícia Judiciária Militar
não respondem às participações formais?
E por que motivo os seguranças dos invasores continuam no terreno, mesmo com documentação legal apresentada pelo proprietário e com queixas formalizadas?
Quando forças militares e policiais são citadas em actos fora da sua competência,
quando autoridades civis são acusadas de apoiar irregularidades,
e quando a imprensa é ameaçada no exercício das suas funções,
o problema deixa de ser local.
É um alerta nacional.
O que está realmente em jogo?
O caso do km-36 é mais do que um terreno invadido:
é a imagem das instituições.
É a confiança dos cidadãos.
É a fronteira entre a legalidade e a impunidade.
Se a lei pode ser ignorada quando convém,
se instituições públicas são mencionadas em práticas duvidosas,
se militares intervêm em disputas civis,
e se jornalistas são intimidados…
…então estamos perante um precedente perigoso para Angola.
O Estado precisa falar. Agora.
Um país só é forte quando as suas instituições o são.
E neste momento, todas as entidades citadas têm o dever moral e institucional de responder, esclarecer e restabelecer a confiança pública.
O silêncio não é uma opção.
A omissão não é neutra.
E a população está a observar.
