Angola “passou do céu ao inferno” no primeiro ano pós reeleição de João Lourenço
Para Carlos Rosado de Carvalho, um ano depois, as autoridades angolanas deveriam esclarecer porque o país “saiu do céu para o inferno”, considerando que a política económica angolana, naquele período, “foi orientada para ganhar as eleições”.
Por: Redação
O economista Carlos Rosado de Carvalho critica a política económica “irresponsável” e orientada pelo Governo angolano “para ganhar as eleições de agosto de 2022, considerando que Angola “passou do céu para o inferno”, após a reeleição de João Lourenço.
“No domínio económico, passamos do céu para o inferno, porque nas eleições (de 2022) estava tudo bem, o país estava a crescer, íamos acelerar o crescimento, o kwanza estável, a inflação controlada, as contas públicas equilibradas e nós demos contas que menos um ano depois das eleições que afinal não há nada disso”, disse o economista angolano.
Em declarações à Lusa, no âmbito do primeiro ano de reeleição do Presidente angolano, João Lourenço, Rosado disse que passado esse período a atual inflação em Angola “não está controlada, o kwanza está completamente descontrolado, com uma crise cambial”
As contas públicas, “andam atrasadas, as contas externas pioraram e não conseguimos perceber muito bem como é que nós passamos do céu para o inferno em menos de um ano”, disse, acrescentando: “não somos nós que dizemos, é o próprio Governo, que foi obrigado a adotar medidas de emergência económica, é porque alguma coisa está mal”.
O Presidente angolano, João Lourenço, foi reeleito em agosto de 2022, para um segundo mandato de cinco anos, após vencer, como cabeça de lista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975), as eleições gerais de 24 de agosto daquele ano.
Para Carlos Rosado de Carvalho, um ano depois, as autoridades angolanas deveriam esclarecer porque o país “saiu do céu para o inferno”, considerando que a política económica angolana, naquele período, “foi orientada para ganhar as eleições”.
“Nós tínhamos uma inflação elevada, mas o que fizemos foi valorizar artificialmente o kwanza (moeda angolana), liberalizamos as importações, e é o próprio Estado a fazer importações”, notou,
Considerou que as referidas medidas, que classifica de artificiais, trouxeram “consequências tremendas de tal forma que antes das eleições, em 2020, o kwanza foi valorizado e até um dólar custava 400 kwanzas (0,4 euros)”.
“E, nessa altura eu falei e disse, mas isto foi feito com único objetivo de comprar votos, a política económica foi orientada no sentido de comprar votos e agora o que está a acontecer é que estamos a pagar essa política económica que não tem outro nome, que irresponsável, que foi feita antes das eleições, é essa a grande questão”, criticou.
A moeda angolana regista atualmente uma acentuada depreciação, há escassez de divisas, alta de preço dos produtos da cesta básica no mercado e o Governo anunciou, julho passado, um conjunto de medidas para atenuar o atual cenário macroeconómico.
Medidas para estimular a produção interna, como a redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 14% para 7% foram anunciadas, sendo esta já aprovada na generalidade pelo parlamento angolano.
Rosado entende que as referidas “medidas de emergência económica”, anunciadas pelo Governo, são sintomáticas de que o quadro atual “é mesmo preocupante” alertando, mesmo, para o “grande problema da despesa pública” no país.
“Estamos a produzir atualmente pouco mais de um milhão de barris de petróleo/dia, já produzimos 1,8 milhão de barris/dia, o petróleo é praticamente a única fonte de divisas que temos, agora não podemos ter a mesma vida”, defende.
“Portanto, temos menos receita e o Estado tem que emagrecer, adaptar-se a nova conjuntura, a tudo, menos mexer na despesa pública, enfim a ministra das Finanças tem falado muito sobre a qualidade da despesa pública nos últimos tempos, mas está a falar não está a fazer”, atirou.
Questionado sobre o atual cenário mundial e as respetivas implicações para a economia angolana, o também jornalista diz existirem sim incertezas, instabilidade, guerra na Ucrânia, “mas naquilo que nos diz respeito, que é o petróleo, os nossos problemas são outros”.
Recordou que o Governo angolano “fez um Orçamento (Geral do Estado) 2023 com base aos 75 dólares, o petróleo está acima de 80 dólares, nós não temos esses problemas, os problemas são outros”.
“Um dos problemas que temos é que estamos a recomeçar a pagar agora o serviço da dívida pública, que tinha sido suspenso”, realçou.
O pagamento da dívida pública “não é nenhuma novidade, porque já sabíamos quando é que íamos retomar o pagamento da divida, e o que o Governo fez foi gastar tudo ao invés de se preparar para a retoma do pagamento da dívida”.
Rosado desvalorizou igualmente a diplomacia económica, promovida por João Lourenço, considerando que esta “fracassou” por inexistirem em Angola investimento direto estrangeiro
“O Presidente (da República) viaja para captar investimento direto, nós não temos investimento direto estrangeiro em Angola e desse ponto de vista a tal diplomacia económica também fracassou”, notou.
De acordo com Rosado de Carvalho, a diplomacia económica “não trouxe os resultados esperados até agora porque temos um mau ambiente de negócios”.
Apontou ainda a justiça, como “fator fundamental” para a criação de um bom ambiente de negócios: “Aliás, a pior classificação que tínhamos no ‘doing business’ do Banco Mundial era justamente no cumprimento dos contratos”.
A demissão da juíza presidente do Tribunal de Contas de Angola, por alegados atos de corrupção, o inquérito em curso na Procuradoria-Geral da República (PGR), sobre alegadas ações fraudulentas do atual presidente do Tribunal Supremo (TS) angolano, recordou, “travam” o investimento externo.
“O Presidente do TS tem um inquérito na PGR e ainda nomeia uma pessoa como juiz do TS, que foi condenada por atos de corrupção, portanto um país que não tem justiça é um país que não pode ter ambiente de negócios e investimento direto estrangeiro”, rematou Carlos Rosado de Carvalho.
In Jornal Económico