Dê General para General: Kamalata Numa escreve para Higino Carneiro

SAUDAÇÃO AO GENERAL HIGINO CARNEIRO
Cruzei-me pela primeira vez com o General Higino Carneiro num tempo em que Angola parecia, finalmente, querer encontrar-se consigo mesma. Corria o ano de 1991 — um daqueles momentos em que a esperança se vestia de farda e sonhava com paz — e a UNITA havia indigitado o General Chilingutila e Kamalata Numa, este que vos escreve, para representar o Partido na génese das então sonhadas Forças Armadas Angolanas (FAA).
Do lado do MPLA, estava Higino Carneiro, figura estratégica na concepção da nova força conjunta. Era ele quem dialogava com o General Chilingutila. Já a estruturação e comando das FAA recaíram sobre mim e o General João de Matos. Aquilo não era bem um casamento, mas tinha todos os elementos de uma união forçada: desconfiança mútua, obrigações patrióticas e a dura tarefa de construir algo funcional entre antigos inimigos. Mas, como em toda obra nacional, começámos a erguer — pedra sobre pedra, ou talvez casamata sobre casamata — as FAA.
Anos mais tarde, reencontrei o General Higino noutro cenário, mas não menos carregado de tensões: a Assembleia Nacional. Ali, entre projectos de lei e discursos com mais retórica que conteúdo, Higino ascendera à presidência de um Grupo Parlamentar Africano. Curiosamente — e aqui começa a parte curiosa da história — o presidente anterior desse grupo, Também Deputado do MPLA, durante quase duas legislaturas, nunca achou por bem convidar este modesto representante da UNITA para nenhuma das diligências internacionais desse grupo parlamentar.
Higino, no entanto, mal chegou ao cargo, reparou na omissão. E, sem fazer alarido, decidiu corrigir o que não precisava de parecer bondade, mas apenas decência política. Levou-me a Etiópia, e pouco depois, à Guiné Equatorial do sempre “eleito” Obiang Nguema. Sim, aquele mesmo que, se democracia fosse uma planta, teria arrancado as raízes ainda no embrião.
Na Etiópia, tivemos um episódio digno de crónica parlamentar africana. Durante um almoço oferecido pelo então Embaixador de Angola, Manuel Augusto — esse nome que, à época, ainda carregava certo prestígio diplomático — o General Higino teve a ousadia (ou o entusiasmo excessivo) de tentar destacar a figura de Jonas Malheiro Savimbi… de um modo que me pareceu, digamos, pouco elegante. A conversa descambou para um debate inflamado, daqueles que fariam ruborizar qualquer moderador da ONU.
O anfitrião, embaraçado, retirou-se da mesa — talvez a pensar no relatório que teria de enviar a Luanda. Ficámos nós, os deputados do MPLA presentes, os funcionários da Embaixada, o Tenente General Chicanha, então Adido Militar em Addis Abeba, e este vosso humilde servo. Higino, com aquela calma que só os veteranos têm, olhou à volta e tratou de tranquilizar a sala:
“Não se assustem. Mesmo em Angola, os nossos debates são assim. Estamos habituados a essa forma de nos aceitarmos democraticamente.”
E é exactamente por isso que hoje venho deixar aqui um elogio — sim, um elogio — à sua candidatura à Presidência do MPLA. Porque, sejamos francos, é reconfortante ver que até no partido que por décadas confundiu Estado com partido, surge agora o exercício da escolha interna. É bom ver que, ao menos por fora, parece haver disputa — e não apenas nomeação.
A sua candidatura, General, tal como a de outros que ousarem concorrer consigo, é parte da democracia que a UNITA apregoa e pratica desde os tempos em que ser democrata era quase um acto de insurgência. E se o MPLA, com a sua história de hegemonia, decidir abraçar mesmo esta lógica de disputa interna, então Angola ganha. Porque só ganha quem aprende a perder.
A victória no interior do MPLA — se vosso programa for democrático e vossa intenção for sincera — será também uma vitória para Angola. Porque país que aprende a ter debate interno entre seus líderes é país que se prepara para respeitar o voto dos seus cidadãos e escolher opções de crescimento e desenvolvimento democraticamente.
E que se saiba: nas eleições gerais de 2027, se tudo correr dentro das regras constitucionais vigentes, espero sinceramente que Adalberto Costa Júnior lhe ganhe. Não por desmerecimento seu, General, mas porque um Estado que alterna o poder é um Estado que respira e inspira.
Obrigado pela memória, pelos debates e até pelas desavenças porque é nelas que a democracia se revela. E parabéns, mais uma vez, pela candidatura.
OBRIGADO!