OPINIÃO DE ISAÍAS SAMAKUVA: O CAMINHO PARA O FUTURO

Considerando esse passado histórico de Angola e tendo em conta que as divisões ainda se verificam hoje em forma de exclusão por razões diversas (políticas, económicas, sociais, regionais, raciais, religiosas, etc.), como ultrapassar esta situação que acaba por aprofundar o fosso entre angolanos? No momento em que celebramos cinquenta anos passados desde a nossa independência, qual é o caminho que devemos escolher para construirmos a unidade entre nós e como ultrapassar essas divisões que chegam a separar famílias por causa de diferenças político-partidárias?


Por: Dr. Isaías Samakuva.

Outro elemento que gostaria de mencionar também aqui, é o facto de que alguns sectores da nossa sociedade angolana, embora minoritários, demonstram uma gritante falta de solidariedade e enveredam por uma prática de vida luxuosa e de ostentação de riqueza, em meio de uma maioria esmagadora pobre e miserável. Acontece que, em muitos casos, a riqueza ostentada resulta de prática de peculato e de corrupção que induz à formação de mentalidades corruptas em pessoas que perdem a sua dignidade e se vendem por “meia dúzia de dinheiros”, tornando-se assim em serviçais dos que os utilizam no cumprimento de missões – muitas vezes sujas – como se de instrumentos se tratasse. Como debelar esta crise moral e ética?

Estas questões são prementes, principalmente quando observamos o estado da nossa sociedade hoje e projectamos o futuro tendo como referência os comportamentos e as atitudes correntes. Por isso, em jeito de sugestões, trago para a nossa juventude, em forma de propostas, as seguintes reflexões:

1.Quanto à necessidade de unidade entre os angolanos:
É minha convicção profunda que, para construirmos a unidade nacional e tornarmos a nação angolana mais homogênea, precisamos, em primeiro lugar, de nos reconhecermos entre nós mesmos e respeitar as nossas próprias diferenças para construirmos a Nação plural a partir de uma identidade comum e, também, de um objectivo comum. Para tal, é importante promover um diálogo aberto e construtivo entre os diferentes grupos e criar espaços de debate e de discussão sem tabus, onde as diversas opiniões possam ser ouvidas e tidas em conta.

É importante também destacar que a proclamação da independência é apenas o primeiro passo para a sua construção efectiva. A proclamação da independência é um mero acto que se protagoniza num só momento, num só dia. Já a construção da independência é um processo eminentemente cultural, político e participativo, que requer instituições fortes, lideranças visionárias, patriotismo, construção de consensos e coesão nacional. Feito o percurso dos primeiros 50 anos da independência nacional e com este pano de fundo, acho que precisamos de:

a) Um novo pacto social que seja:
Um projeto nacional inclusivo, que transcenda interesses partidários e coloque o bem-estar colectivo como prioridade.
Envolver todos os sectores da sociedade — não só o Estado, mas também a sociedade civil, a juventude, as igrejas, os académicos, os camponeses, os empresários, os artistas e outros — na definição do modelo de país desejado.

b) Combate às desigualdades estruturais:
Investimento forte e equitativo em educação, saúde, emprego e habitação, especialmente nas zonas mais esquecidas (interior e periferias urbanas).
Reforma do sistema fiscal e económico para permitir redistribuição de riqueza e oportunidades.

c) Promover uma cultura de reconciliação verdadeira:
Ultrapassar a cultura de divisão político-partidária, até no seio das famílias. As feridas da guerra civil e a forte polarização política criaram divisões profundas, inclusive entre irmãos, pais e filhos. Ultrapassemos isso, indo para além dos discursos oficiais e construindo processos comunitários de reconciliação, onde as memórias, dores e esperanças possam ser partilhadas.
Criar espaços de escuta, nos bairros, igrejas, escolas, associações — para que o diálogo supere o ódio.

d) Separar Estado e partido:
Reforçar a ideia de que a crítica política não é traição, e a divergência é saudável numa democracia.
Educar as novas gerações para votar com consciência, sem fanatismo, reconhecendo que nenhuma ideologia vale mais do que a paz e o patriotismo.
Promover a noção de que a cidadania está acima dos partidos. Primeiro e acima de tudo, somos cidadãos e só depois somos membros de partidos.

e) Valorizar o pluralismo:
Criar e apoiar meios de comunicação independentes, que ajudem a construir uma esfera pública plural, honesta e responsável.
Incentivar o respeito pela diversidade de pensamento e o debate de ideias com ética.

  1. Quanto ao flagelo da crise de valores, de moral e de ética:
    A convivência escandalosa entre a ostentação de luxo por poucos e a miséria de muitos, frequentemente sustentada por práticas de corrupção e desvio de fundos públicos é uma realidade que tem consequências profundas, tais como:
    Desigualdade extrema: A ostentação de riqueza em meio à pobreza generalizada alimenta ressentimentos sociais e aprofunda as clivagens entre governantes e governados.
    Destruição de valores éticos: Quando os que enriquecem de forma ilícita são celebrados ou ocupam cargos de destaque, transmite-se a mensagem de que a corrupção compensa, enquanto a honestidade é um fardo.
    Servilismo e perda de autonomia moral: Muitos cidadãos, na luta pela sobrevivência ou em busca de ascensão, aceitam ser instrumentos de interesses alheios, vendendo suas consciências e dignidade em troca de favores temporários — o que perpetua a dominação e o ciclo de dependência.

3.Como combater este fenómeno?
O combate deste fenómeno passa por:
a) Reforçar o Estado de Direito: promovendo Justiça Social que exija não apenas leis, mas também práticas e políticas que corrijam njustiças históricas e estruturais, garantindo que a justiça seja independente, acessível e imparcial.
Combater a corrupção de forma real.

b) Educar para a cidadania e ética pública:
A transformação começa na mente. Portanto, deve-se incluir nas escolas conteúdos sobre ética, direitos humanos, convivência democrática, honestidade, responsabilidade colectiva, solidariedade e história nacional descolonizada e despartidarizada.
As universidades e meios de comunicação devem ser espaços de denúncia, formação crítica e promoção de consciência social.
Incentivo de uma cultura de diálogo e participação cívica, desde muito cedo.
Criar políticas de valorização do trabalhador informal, rural, da juventude e das mulheres.
Desenvolver um sistema de proteção social universal, com base em solidariedade e justiça distributiva.

c) Reforço institucional e justiça independente
Combater a corrupção exige instituições fortes, autónomas e incorruptíveis. O sistema judicial deve ser livre de interferências políticas e com meios para investigar e punir eficazmente crimes de peculato e enriquecimento ilícito.
A transparência na gestão pública deve ser obrigatória, com orçamentos abertos, concursos públicos fiscalizados e mecanismos de controlo social.

d) Mobilização da sociedade civil e dos jovens:
A juventude precisa de ser chamada à responsabilidade, não como massa de manobra, mas como força transformadora. Movimentos sociais, ONGs, igrejas e associações devem articular-se para exigir mais justiça e equidade. Neste processo, as redes sociais devem ser usadas como ferramenta útil e responsável.

e) Exemplo a partir do topo
A liderança deve dar o exemplo. O combate à corrupção não pode ser retórico apenas. Quem governa deve viver com sobriedade e responsabilidade e não deve confundir o Estado com propriedade pessoal.

f) Valorização do mérito e do trabalho honesto
Deve-se criar uma cultura onde o mérito, o esforço e a competência sejam os caminhos naturais para o sucesso. Enquanto se premiar o oportunismo e se desprezar o trabalhador honesto, não haverá transformação real.

   CONCLUSÃO:

Podemos afirmar que:
1º – o percurso histórico de Angola, desde a resistência à ocupação portuguesa até à proclamação da independência, evidencia a tenacidade e a vontade inabalável do seu povo em afirmar-se como nação livre.

2º -Apesar das divisões entre os movimentos de libertação, a determinação coletiva permitiu superar séculos de opressão.

3º – O estudo das causas da fragmentação dos nacionalistas angolanos e das potenciais vantagens de uma união fornece lições valiosas que devemos ter em conta para a consolidação da paz e da unidade nacional no período pós-independência.

4º – Vivemos uma crise de valores morais e éticos. Precisamos de caminho de transformação para uma nova consciência. Precisamos de consciências despertas, de vozes firmes, de corações limpos e de mentes lúcidas. A transformação e a mudança não virão de fora. Terão de vir de dentro de cada um de nós.

5º – Não aceitemos ser instrumentalizados. Sejamos reformadores e construtores. Que a nossa palavra seja verdade, que a nossa fé seja prática, que o nosso saber seja luz, e que a nossa juventude seja sal da terra e luz do mundo.

Luanda, 02 de Agosto de 2025.

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