Ex-executivo da General Electric Angola (GE) detido nos EUA por falsificar documentos

A detenção do ex-executivo da General Electric Angola (GE) Wilson Daniel Freita da Costa — uma das figuras-chave do processo que resultou na anulação de mais de uma dezena contratos e o consequente arresto de turbinas pertencentes à empresa Aenergy — voltou a pôr na ‘ordem do dia’ o escandaloso e intrigante caso de obtenção ilegal da nacionalidade angolana que a própria justiça preferiu ‘silenciar’ desde 2020.


Por: Redação

A 14 de Janeiro de 2019, isto é, pouco mais de seis meses antes de o país ter assistido à polémica sobre a rescisão dos 13 contratos — que ligavam a sociedade comercial de direito angolano Aenergy S.A. às empresas nacionais de Distribuição de Energia (ENDE) e de Produção de Electricidade (PRODEL) —, a Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal mandou instaurar um procedimento criminal contra o agora detido Wilson Freita Daniel da Costa, pela prática do crime de falsificação de documentos.

Em causa estava uma denúncia, relacionada com Wilson Freita Daniel da Costa, dando conta de que o mesmo não era cidadão nacional e que o Bilhete de Identidade que tinha em posse tinha sido adquirido de forma fraudulenta.

“Verificámos que o seu registo de nascimento é posterior ao seu ‘suposto’ primeiro Bilhete de Identidade, que foi emitido a 18/03/1997”
Na sequência, a Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal fez várias diligências junto dos seus serviços de Identificação Civil, bem como nos seus próprios Arquivos, para averiguar a veracidade da denúncia, tendo constatado que se tratava, de facto, “de um Bilhete de Identidade que foi adquirido à margem da lei”.

“Compulsada a base de dados, constatou-se que não existe quaisquer dados relativamente aos seus progenitores, o que nos faz acreditar que, na realidade, se trata de um cidadão estrangeiro”, sublinhou o órgão na participação criminal contra Wilson Freita Daniel da Costa, que fez junto da Procuradoria-Geral da República junto do SIC-Luanda, apresentando evidências da fraude:

“Da análise feita ao seu primeiro Bilhete de Identidade, (modelo 2, vulgo Bilhete Amarelo), com o número de série 3113959, pertencente ao Arquivo Provincial de Identificação Civil e Criminal de Malanje, constatámos que as características da fotografia não estavam em conformidade com os padrões exigidos por Lei”.

“Cumpre-nos informar que a partir de um documento não autêntico, o suposto cidadão estrangeiro conseguiu adquirir documentos nacionais autênticos”
Tal evidência levou a que aquele órgão consultasse o referido ‘Arquivo’, verificando que o modelo 1 do Bilhete de Identidade existente no mesmo, pertencia ao cidadão de nome Rodrigues Cabeto e não a Wilson Freita Daniel da Costa; o que, à partida, levou à conclusão de que o bilhete era “falso”.

Mas, as evidências não se limitaram a isso, uma vez que havia mais indicadores a respeito da alegada fraude:

“Analisado o seu Assento de Nascimento, lavrado no ano de 2011, na Conservatória do Registo Civil de Malanje, percebemos que foi lavrado com base no n.° 2 do Artigo 125.º do Código de Registo Civil, que diz: ‘Os casos especiais de declarações tardias de nascimentos só devem ser feitas se o nascimento ocorrer há mais de 14 anos’. Deste modo, verificámos que o seu registo de nascimento é posterior ao seu ‘suposto’ primeiro Bilhete de Identidade, que foi emitido a 18/03/1997.”

Querendo tornar mais evidente ainda um dos fundamentos da participação que fez junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC-Luanda), a Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal explicou na queixa-crime que, “tecnicamente não é possível” que o registo de nascimento seja posterior ao primeiro Bilhete de Identidade, na medida em que “a emissão do Bilhete de Identidade é feita com base nos dados da certidão ou Assento de Nascimento, tal como dispõe a alínea b) do n.º 91, do Artigo 20.° da Lei n.° 04/09, de 30 de Junho (Lei sobre o Regime Jurídico da Identificação Civil e Emissão do Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional)”.

“Assim sendo, cumpre-nos informar que a partir de um documento não autêntico, o suposto cidadão estrangeiro conseguiu adquirir documentos nacionais autênticos, e em simultâneo casar-se com uma cidadã também estrangeira, que, por efeito do casamento, adquirirá a nacionalidade angolana”, assim concluiu a Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal, rematando:

“Em nosso entender, a conduta do Participado é perfeitamente subsumível ao crime de falsificação de documentos, previsto e punível pelos n.°s 3 e 5 do artigo 216.º do Código Penal.”

Procuradora Constância Lopes Capemba ignorou evidências e mandou soltar o ‘colega’ do irmão

Apesar de todas as evidências apresentadas pela Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal sobre o caso, e depois de Wilson Freita Daniel da Costa ter sido detido pelas autoridades angolanas e estar a aguardar em prisão preventiva o andamento do processo, eis que no dia 6 de Janeiro de 2020, a então sub-procuradora-geral da República junto do SIC-Luanda Constância Lopes Capemba, decide emitir uma certidão a ‘ilibá-lo’ do crime de que vinha indiciado.

No documento, Constância Lopes Capemba refere que “diligências levadas a cabo no âmbito da Instrução, mormente junto da Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal permitiram concluir ser de se afastar a existência do crime de que tinha sido indiciado, porquanto se trata de um cidadão com nacionalidade angolana, portador legítimo do Bilhete de Identidade número zero zero cinco três seis três nove nove nove M E zero quatro nove, em conformidade com o assento de nascimento número quinhentos e vinte e cinco do livro número três, folha número sessenta e um verso do ano do dois mil e onze da Conservatória do Registo Civil de Malange.”

Uma evidência que passou ao lado de todos

O que não se fez constar é que a então sub-procuradora-geral da República titular junto do SIC-Luanda Constância Lopes Capemba é irmã de Mário Lopes Capemba, a figura que, logo a seguir à polémica da rescisão dos 13 contratos e a decisão do Tribunal Provincial de Luanda de mandar arrestar as turbinas da Aenergy, substituiu na liderança da GE Angola o mesmo cidadão Wilson Freita Daniel da Costa, que a irmã acabava de pôr em liberdade, e que, mal se viu livre das masmorras, abandonou o país, tendo sido detido há pouco menos de semana e meia nos EUA.

Peça-chave do caso do arresto de quatro turbinas

Wilson Freita Daniel da Costa era o director Regional de Vendas da General Electric em Angola e peça-chave do processo que veio pouco tempo depois a originar numa contenda judicial, ainda hoje por resolver entre o governo e a Aenergy, na sequência da publicação de um despacho presidencial, no qual João Lourenço autorizava o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, a rescindir os 13 contratos que as duas empresas do sector mantinham com aquela empresa, à luz de uma linha de financiamento da General Electric Capital, do grupo General Electric, avaliado em 1,1 mil milhão de dólares norte-americanos.

Para que se tivesse chegado à polémica decisão de rescindir os contratos, Wilson Freita Daniel da Costa — que está a ser acusado nos EUA pelo Tribunal Federal de Manhattan de fraude e falsificação de documentos — foi também incriminado pela Aenergy de ter recorrido ao mesmo expediente em Angola para adulterar o conteúdo de documentos que foram dirigidos à ENDE, E.P. e à PRODEL, E.P.

O caso chegou inclusive a dar entrada na Procuradoria-Geral da República (PGR), tendo este órgão se remetido ao silêncio. Entretanto, foram estas mesmas cartas adulteradas por Wilson Freita Daniel da Costa que mais tarde viriam a servir de fundamento para a rescisão dos contratos, levando o governo angolano a alegar que se estava diante da “violação do princípio da boa-fé e da quebra de confiança”.

By: Isto é Notícia

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